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Maneiras de transformar mundos

O Laboratório Filosofias do Tempo do Agora (CNPq/UFRJ), a editora Autêntica e o filósofo Vladimir Safatle convidam para o debate de lançamento do livro “Maneiras de transformar mundos - Lacan, política e emancipação”, com as professoras Suely Aires (UFBA) e Carla Rodrigues (UFRJ). Moderação de Paula Gruman (Université de Paris).

Ao vivo, segunda-feira, dia 16 de novembro, 18h:


Abaixo, resenha do livro publicada no caderno EU&, do jornal Valor, em 23 de outubro de 2020:


"É preciso deixar vazio o lugar do poder"


Carla Rodrigues


A palavra emancipação é uma das mais centrais no livro “Maneiras de Transformar Mundos - Lacan, Política e Emancipação”, do filósofo Vladimir Safatle (USP). Nas suas quase 200 páginas, faz pelo menos um movimento fundamental ao entrelaçar emancipação a quatro conceitos fundamentais da psicanálise que ele propõe transpor para a política: identificação, gozo, transferência e ato. Há no gesto de Safatle uma analogia com os quatro conceitos fundamentais da psicanálise propostos pelo psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) - pulsão, repetição, inconsciente e transferência - no início dos anos 1960, momento de fundação da sua Escola Freudiana de Psicanálise.


Emancipar como ato político é o avesso da liberdade nos termos estabelecidos na aurora da modernidade, seja na proposição de autogoverno de si formulada por Jean Jacques Rousseau (1712-1778), seja na definição que Immanuel Kant (1724-1804) deu à liberdade como a liberdade de dar-se a própria lei. Embora haja nuanças nos modos de realizar essa sujeição, a internalização das estruturas de assujeitamento tem servido a dois senhores - capitalismo e patriarcado - percebidos por Safatle como decisivos na definição lacaniana de “gozo fálico”. Essa é outra forma de o autor dizer que o exercício do poder autoritário se dá na possibilidade de subjugar o outro, o que permite a quem exerce o poder alienar-se da exigência de impor a lei sobre si mesmo. Assim, a imposição da lei deve ser ainda mais fortemente exercida sobre os subjugados.


Aqui, o conceito psicanalítico de identificação é central no diagnóstico do fascismo

como lugar privilegiado de exercício de poder sobre todo aqueles que estão

identificados com essa promessa de gozo fálico – ser a lei para não se submeter à lei, castrar para não ser castrado nem castrável. A emancipação é o que escapa desses dois polos, alienação ou liberdade, por perceber que há em ambos uma falsa promessa de unidade narcísica individual. Transformar mundos é fazer com que sujeitos experimentem a despossessão de si - para usar um termo da filósofa Judith Butler - e possam interrogar a lei e o sofrimento psíquico imposto a uma vida de subserviência para a sobrevivência. Não se trata, no entanto, de nos deitar no divã, mas de compreender que psicanálise e política compartilham do mesmo ideal emancipatório de abrir espaço para que o desejo não seja servil ao sistema capitalista e ao senhor patriarcal.


Se Lacan comparece todo o tempo como esteio da tese de Safatle, que, desde o início do livro, anuncia não pretender “psicologizar” a cena política, é porque o autor encontra no psicanalista francês caminho para retornar a uma distinção cara tanto à psicanálise quanto à política, qual seja, a diferença fundamental entre impotência e impossível. “Tudo que é decisivo para nós um dia foi impossível”, escreve ele. Clínica e política se encontram no ponto em que podem oferecer aos sujeitos a chance de fazer a passagem da impotência ao impossível. É então que Safatle comparece com sua própria proposição de impossível: deixar vazio o lugar do poder.


É preciso dizer que vazio é uma noção forte no pensamento lacaniano, criação das bordas que permitem ao sujeito delimitar a angústia. “Se os sujeitos aceitam a servidão é porque eles temem a angústia que a liberdade produz”, escreve o autor. Dar contorno ao vazio, no âmbito do sujeito, equivaleria, portanto, à proposição política de “deixar vazio o lugar da autoridade” com a qual Safatle inaugura o livro e em que investe como resposta possível ao fascismo dos nossos dias. Com isso, o filósofo está propondo “a consolidação de um sistema de relações igualitárias capaz de abrir o espaço para formas renovadas de cooperação”.


Se são as relações de poder que nos fazem sofrer, o que Safatle vai encontrar em Lacan é a possibilidade de uma teoria psicanalítica que, além de interpretar os regimes de adesão à sujeição social, também pode transformá-los. Transformação e emancipação aparecem também no debate triangular entre Safatle, Lacan e uma certa teoria feminista crítica da psicanálise lacaniana. Filósofas como Judith Butler, Luce Irigaray, Monique Wittig e Nancy Fraser são citadas por terem produzido uma equivocidade nas suas leituras de Lacan. No seu argumento, Safatle lamenta que a crítica feminista não tenha compreendido que o gozo fálico e masculino, sendo o modo de gozo do capitalismo e do patriarcado, é também o que faz com que o gozo feminino possa ser um “processo ativo que visa quebrar os limites dos modos atuais de existência”.


Aqui, seria preciso lembrar que essa definição se aplica aos movimentos feministas desde seus primórdios. Das lutas campesinas contra a expropriação de terras na Idade Média, passando pela denúncia da falsa universalidade contida na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa, pela luta ao direito ao sufrágio universal e pelas rupturas com a ordem patriarcal provocadas no século passado - impulsionadas pela decisiva separação entre humanidade e homem -, chegamos ao século XXI sustentando como reivindicação feminista fundamental encontrar algo muito semelhante ao enunciado do título de Safatle: “maneiras de transformar mundos” e destituir o poder patriarcal e capitalista.











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