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Tempo do agora

Isso que permanece irredutível no trabalho de luto e na tarefa de tradução

Publicado na França em edição bilíngue na revue ITER N°2 – Traduire Derrida aujourd’hui, o artigo da professora Carla Rodrigues relaciona os filósofos Jacques Derrida e Walter Benjamin para pensar a tarefa da tradução.




ARTIGO COMPLETO AQUI


Carla RODRIGUES, « Isso que permanece irredutível no trabalho de luto e na tarefa de tradução », Traduire Derrida aujourd’hui, revue ITER Nº2, 2020.

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La traduction devient la loi, le devoir et la dette mais de la dette on ne peut plus s’acquitter.

Des tours de Babel, J. Derrida

A tradução torna-se a lei.· o dever e a dívida, mas dívida que não se pode mais quitar.

Torres de Babel, J. Derrida


Talvez a filosofia de Jacques Derrida não tenha sido outra coisa senão um trabalho de luto: da origem, do original, do originário, do sentido, da presença, do sujeito. Os feixes com os quais ele articula linguagem, língua, tradução e desconstrução são mais ou menos inseparáveis em seu pensamento, resistentes a serem isolados uns dos outros, como se pudessem ser dispostos como objetos diante de seus intérpretes, tradutores ou pesquisadores. São mais como os labirintos de inscrições[1], caminhos que oferecem tantos itinerários quanto for possível percorrer, errâncias entre textos cujos pontos de contato ou separação são quase indistintos. Na hipótese de que Derrida tenha começado sua filosofia com um ato de nomeação da “desconstrução”, talvez me seja permitido propor que há, na origem, tradução e traição: o termo desconstrução vem do alemão Destruktion, que Derrida encontra em Heidegger e transforma, não tanto a ponto de se perder do original, mas o suficiente para não ser mera transposição de um idioma a outro.[2] Em certa medida, seu pensamento se articulou com os três Hs da tradição filosófica, nomeadamente Hegel – ou a recepção francesa de Hegel – , Husserl e Heidegger, circulando entre a fenomenologia, o existencialismo, o estruturalismo. A esses, Derrida ainda acrescenta pensadores como Nietzsche e Freud, como se estivesse erguendo sua própria torre de Babel de linguagens filosóficas.

Se eu pretendesse seguir nesse labirinto o percurso de interpretar Derrida como teórico da tradução – o que certamente seria insuficiente para defini-lo –, talvez fosse preciso começar por reconhecer que, no que toca ao problema da tradução, é incontornável sua relação com Walter Benjamin, ele também um filósofo-tradutor que reflete sobre sua tarefa, um pensador com quem se pode contar as relações entre a França e a Alemanha, entre a filosofia francesa e a alemã, seus equívocos, desvios, desentendimentos. As passagens de Benjamin entre o alemão e o francês marcaram de tal forma sua obra que acaba por ser difícil localizá-lo de um lado ou de outro do rio Reno. Entre as tantas questões do debate que Derrida estabelece com Benjamin, duas gostaria de relevar: (1) a aporia entre a fidelidade e a liberdade da tradução, a primeira entendida como restituição do sentido, a segunda como tarefa de renomeação; (2) a língua como o que comunica apenas a si mesma quando nos faz perceber “há linguagem”. Em De tours de Babel,[3] Derrida estabelece uma conexão entre dois textos de Benjamin – “A tarefa do tradutor” e “Sobre a linguagem em geral e a linguagem humana”[4] – para se aproximar da crítica benjaminiana a qualquer concepção de linguagem que pretenda apontar para algo fora dela mesma.[5] Por caminhos distintos, mas nem por isso distantes, Derrida seria, ele também, um crítico da linguagem como transmissão ou comunicação de sentido. No manejo com a língua, Derrida faz com que a tarefa de leitura de sua filosofia seja também a tarefa de traduzi-lo. Mesmo em francês: “mon désir est que nous ne puissions pas, c’est-à-dire aussi, et pour cette raison même que nous devons, me traduire moi-même en français.”[6] Seus intérpretes ou comentadores foram e ainda são, cada um à sua maneira, seus tradutores, marcados por um movimento incessante de tentativa de restituição do sentido. É como se em seu pensamento houvesse um objeto que, ao não se presentificar, exigisse mais um esforço, mais uma língua, mais de uma língua.






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